Se, por introspecção, nos damos conta de nossas faculdades mentais (como vimos no capítulo anterior), a simples contemplação do mundo nos leva a perceber que tudo é finito.
E, se tudo é finito, logo tudo é contingente. Isto é, tudo poderia ter sido de outro modo ou sequer ter ocorrido sem que a totalidade das coisas fosse significativamente afetada por isso.
Por outro lado, qualquer coisa que é, pode deixar de ser repentinamente, sem aviso prévio – ainda que, como dissemos, seja certo que em algum momento terá fim, porque é finita, como tudo mais.
Tomemos por exemplo o homem.
Ele nasce, se desenvolve, envelhece e morre. Esse é mais ou menos o ciclo que quase todos cumprem, na média, em 75 anos. Há quem dure mais, há quem dure menos. Há quem não tenha filhos, há quem os tenha em penca.
Mas a morte de uma criança ou um jovem sempre nos choca, porque não parece natural. O natural é que os filhos enterrem seus pais, e não o contrário. Infelizmente, a vida nem sempre acontece assim…
Todoa existência, toda trajetória, pode ser interrompida antes do previsto, em razão de sua contingência. Ou seja, a continuidade está permanentemente ameaçada pela possibilidade da descontinuidade prematura, isto é, antes que ela alcance sua finalidade natural, pré-determinada ou estimada, sua maturidade, seu ponto de chegada.
Enfim, como se costuma dizer, não escolhemos nascer e ninguém conhece o dia de sua morte. A isso chamamos de contingência.
Se você ainda não está convencido, olhe à volta. Há alguma coisa – pessoa, ser ou objeto – que você possa dizer que tem uma existência necessária, que subexiste por si mesmo, e que, portanto, seja infinito ou não esteja ameaçado pela morte ou pelo fim imprevisível?
Pois é…
Por outro lado, é sobre a contingência que se assenta nossa liberdade.
De certo modo, podemos mesmo dizer que estamos condenados à liberdade por conta da contingência do nosso ser. Pois, porque somos contingentes, a todo momento temos de escolher que caminho seguir entre as possibilidades que se apresentam. No mínimo, temos sempre de escolher entre a continuidade ou a descontinuidade, entre agir ou não agir, entre falar ou calar.
É a isso que chamo de princípio binário da existência: ser ou não ser. Continuar ou interromper. Zero ou um. Tudo sempre ou segue sendo o que é, ou torna-se outra coisa. Queiramos ou não. Esse é o fluxo da vida.
Então, como tudo é finito, tudo segue uma linha, uma trajetória contínua, que em algum momento alcançará seu fim. Ou seja, sua descontinuidade. Mas essa trajetória pode ser interrompida antes do previsto, em razão de sua contingência.
Porque, como tudo é contingente, essa descontinuidade pode se dar tanto no tempo próprio das coisas quanto antes do tempo. Ou seja, essa descontinuidade pode se realizar ou como perfeito acabamento ou como desvio imprevisto.
Acabamento, neste caso, é o fim previsível e esperado de um ser ou evento. E desvio é, neste caso, o fim prematuro e inesperado de algo ou alguém. Por isso, a gente acha até bonito quando alguém morre velho, e acha tão triste quando uma criança morre.
É importante observar que a descontinuidade não é necessariamente má. Ela pode significar finalidade alcançada, como dissemos, mas também um desvio “para melhor”. Na vida real, curas milagrosas ou inexplicáveis são mais freqüentes do que a gente imagina.
Vale ressaltar também que é esse principio binário da existência que determina o ritmo da vida e conseqüentemente das histórias. Por isso, é para nós tão importante tê-lo em mente.
Mais adiante, veremos que as conjunções são a expressão gramatical do princípio binário da existência.
Um outro modo de dizer que tudo é finito é dizer que tudo tem começo, meio e fim.
Tudo mesmo. A vida é toda feita de seres, objetos e eventos com começo, meio e fim. O dia, a semana, o mês; a tarefa, o trabalho, a relação; a viagem, o filme, o livro. A própria vida de cada um. Enfim, sempre alguma coisa está acabando e outra coisa começando, o tempo todo, e é isso que constitui nossa vida e nossa história.
Então, portanto, já podemos dizer que, se escrever é contar histórias, toda história tem começo, meio e fim. Trataremos disso mais adiante quando falarmos da estruturação dos textos.
Imagine agora como teria sido o seu dia ontem se algo inesperado tivesse acontecido, em vez da sucessão previsível de eventos que provavelmente aconteceu.
“E se..?” – eis a pergunta que nos faremos a vida toda, se não alcançarmos alguma sabedoria.
Mas, por ora, divirta-se com ela e imagine um fato inesperado que ontem poderia ter alterado sua rotina. Ou uma sucessão deles, como costuma acontecer nas melhores comédias. Vamos ver aonde você vai parar.