Uma última palavra sobre cognição e juízo.
O mesmo evento, absolutamente real e verdadeiro, pode ser descrito de forma diferente por um católico, um protestante ou um ateu, segundo a ordem e a ênfase que eles dêem aos fatos que constituem o evento.
Isso de modo algum significa que a verdade seja relativa.
Isso significa apenas uma coisa mais simples e trivial: que o juízo que fazemos dos fatos depende de nossa formação moral e filosófica, e sobretudo, de nossas intenções em relação aos fatos.
Entre a mentira e o erro, a diferença é moral: erramos por desatenção; mentimos por malícia.
Erramos por desatenção, porque a desatenção produz uma cognição deficiente. E em face de uma cognição deficiente é impossível julgar com clareza.
Por outro lado, se o número possível de cognições deficientes é imensurável, só há uma cognição verdadeira – e de fato eficiente. A ela chamamos verdade.
A verdade é uma só e ela se define pela capacidade da mente humana de perceber as coisas como elas são: suas qualidades singulares, seus nexos causais e suas possíveis consequências. Sua aparência e sua essência. Uma coisa, aliás, não pode ser pensada sem a outra ou ambas se perdem.
Sim, podemos entender um juízo como uma interpretação – mas esse é seu sentido mais fraco. Porque sempre fundado na insuficiência ou na malícia.
No processo cognitivo, como já vimos, a primeira faculdade envolvida é a sensibilidade. É ela quem registra: “Algo ocorre!”. Imediatamente, segue-se a pergunta: “O que é isso que ocorre?” que aciona a memória, a imaginação e o entendimento. Enfim, definido o que é que ocorre, é preciso contextualizar essa ocorrência em termos de valor – imediato e futuro – para decidir por sua continuidade ou descontinuidade. É então que o entendimento produz um juízo que estará mais ou menos referenciado pela vontade. O juízo é então o resultado final de um processo que começa numa sensação e passa por uma cognição.
Em nenhum momento, a principio, a questão da verdade dos objetos que se apresentam à mente é colocada. Porque a ideia de que toda sensação corresponde a algo de real é um suposto tão essencial que ele é, para todos os fins práticos, indiscutível. É por essa exata razão que os sonhos nos iludem.
E só mesmo uma terrível combinação de perda de vigor intelectual e malícia fez a filosofia transformar esse princípio natural da inteligência numa dúvida supostamente relevante. E insolúvel, não por algum grau intransponível de complexidade, mas simplesmente porque é uma falsa questão.
Enfim, o cerne da questão cognitiva não está no juízo nem na sensação, mas na cognição. Então ainda que diferentes pessoas possam ter opiniões – ou interpretações diferentes sobre o mesmo objeto ou evento – o objeto ou o evento são o que são e não dependem ontologicamente de opiniões e interpretações para ser o que são. Portanto, nenhum aparato interpretativo pode substituir a simples, generosa e dedicada atenção do sujeito ao objeto que se apresenta diante dele. Sujeitar-se ao objeto, ser sujeito: só assim se pode alcançar uma cognição o menos deficiente possível. Porque não será a soma de – ou a discussão entre – cognições deficientes produzidas por pré-juízos intelectuais que nos conduzirá à verdade de um objeto, fato ou evento.
Nesse sentido, apesar de todas as opiniões e interpretações meramente subjetivas e portanto relativas sobre um mesmo objeto, haverá sempre uma – e somente uma – que corresponderá perfeitamente a esse objeto. E ainda que a aproximação a essa representação se dê de forma precária, lenta ou dificultosa isso nada tem a ver com a relatividade da verdade, mas com sua abissal profundidade e inesgotável riqueza.