Pensamos com palavras. O pensamento busca ansiosamente por elas e só se acalma quando as encontra. E é por meio delas que o pensamento se estrutura e avança, sempre buscando ir além dos limites que lhe foram impostos pelas próprias palavras, expandindo seu território, e o demarcando com novas palavras.
Mas é impossível dissociar pensamento e palavra. E se o pensamento é incessante, a produção de palavras e conceitos também é – ainda que obedeça a um ritmo mais lento, porque submetido aos usos da cultura a que constitui e serve. Palavras geram palavras, por abstração e analogia , como já vimos. E textos.
Há cinco formas básicas de textos: definições, descrições, narrativas, argumentos e juízos.
É importante destacar que qualquer texto mais longo será sempre uma combinação dessas cinco formas.
Definições são a forma mais primária de ordenação de palavras. Definições se aplicam a todas as classes de palavras (verbos, substantivos, adjetivos) e a todas os tipos de seres (concretos e abstratos) e, geralmente, se concentram na forma, conteúdo e finalidade do objeto definido.
As definições são o ponto de partida de qualquer texto e o melhor lugar de encontrá-las é o dicionário. Por isso, o dicionário é sempre o melhor amigo de quem pretende ler e escrever bem. Lá, não só aprendemos o significado das palavras, mas também a arte de defini-las com precisão.
E dicionário ainda é, no meu entender, um dos poucos livros que têm de ser impressos. Porque a delícia dele é a sequência de palavras tão díspares, empilhadas umas sobre as outras, nessa ordem que chamamos “alfabética”, que é a mais arbitrária de todas e por isso nos reserva as maiores surpresas.
Numa fórmula “matemática” simples, uma definição é: substantivo – adjetivos = definição.
Isto é, numa definição ignoramos as qualidades particulares de um dado objeto, abstraindo apenas seus traços genéricos. A definição, portanto, faz uso intensivo da abstração e é dela o melhor exemplo.
Vejamos, por exemplo, a definição de cadeira do Dicionário Aulete Online: “Móvel que serve de assento para uma só pessoa, com encosto e quatro pernas, às vezes com braços.” É admirável a exatidão dessa definição. Não há uma só palavra supérflua ou prescindível. Ela, por si só, é uma aula sobre o bom uso das palavras.
Ao escrever, nossa primeira preocupação deve ser, portanto, a escolha correta das palavras, isto é, devemos ter em mente a definição das palavras que usamos. Um bom (e divertido) exercício literário é produzir nossas próprias definições e depois compará-las com as do dicionário.
Descrições são, junto com as narrativas, a forma mais comum de uso das palavras, e diferem das definições porque se referem a objetos particulares. Em geral, numa descrição, tomamos por suposta a definição do objeto a descrever, isto é, sua forma geral, e nos concentramos em suas qualidades específicas, aquelas que o singularizam.
Nesse sentido, podemos dizer que: substantivo + adjetivos = descrição.
Não descrevemos apenas coisas, mas também fatos, situações, seres, idéias, sentimentos. Todo tempo, desejamos comunicar o que pensamos, vemos ou sentimos. Todo tempo, queremos comunicar com a máxima precisão a conformidade ou a diferença que une ou separa um momento do outro, uma coisa da outra. E, para isso, recorremos às descrições.
Narrativas são certamente a forma mais empolgante que as palavras podem tomar. Há um prazer em contar e em ouvir histórias que é a matriz de todas as artes e a expressão mais exata do caráter social do ser humano.
Narrativas são sequências de ações que se desdobram no tempo. Elas têm um parentesco com as descrições. Mas, diferente destas, descrevem trajetórias e não objetos. Sua matéria é o tempo e, por isso, estão ancoradas principalmente em verbos, em cadeias verbais que expressam uma sucessão de fatos.
Numa fórmula simples: verbo -> verbo -> verbo = narrativa (onde “->” é quase sempre uma conjunção, como veremos mais adiante).
Argumentos são a forma mais complexa de uso das palavras. Enquanto definições, descrições e narrativas estão firmemente fundadas nos sentidos, na memória e na imaginação, os argumentos mobilizam os poderes de analogia e abstração do entendimento e o que chamamos de domínio do tempo para extrair relações de causa, consequência, e condicionalidade entre fatos.
Numa fórmula simples: se… então = argumento. Porque, por mais variadas que sejam as formas que o argumento pode tomar, ele sempre se funda em premissas baseadas em experiências passadas para daí extrair conclusões sobre causa, origem ou consequência.
Juízos são a mais ambígua de todas as formas. Os juízos podem ser reduzidos a dois grupos: juízos positivos e juízos negativos. Eles podem ser explícitos ou estar implícitos nas descrições, nas narrativas e nos argumentos. De um modo ou de outro, os juízos têm de estar fundados em argumentos claros e fatos verdadeiros.
Os juízos aparecem quase sempre como conclusões e, se mal fundamentados, acabam por falar mais de quem os emite do que do objeto a que se referem. Mas, apesar de tudo isso, são inevitáveis, pois a vida nos exige tomar partido e fazer escolhas o tempo inteiro.
Como dissemos, todo texto combina definições, descrições, narrativas, argumentos e juízos.
O núcleo explícito de todo texto são suas descrições, narrativas e argumentos, enquanto as definições e juízos se deduzem, de modo explícito ou implícito, desse núcleo.
Um escritor pode conduzir o leitor a conclusões, não só pelo encadeamento dos fatos, mas também pelas descrições e argumentos que entremeia à narrativa. É preciso cautela, portanto, porque definições erradas nos conduzirão certamente a argumentos e juízos errados.
Um detalhe importantíssimo: uma palavra é implicitamente uma definição. Não esqueça nunca isso. É óbvio, mas é quase sempre no óbvio que tropeçamos. Então quando digo “definições erradas”, pense logo “palavras erradas”.
Devemos também atentar que descrições e juízos fazem uso intensivo de adjetivos. Por isso, é preciso distinguir entre qualidade (que está relacionada com os sentidos) e opinião (que é uma forma de juízo).
A distinção entre substantivo e adjetivo se relaciona com a distinção que se faz em filosofia entre substância e acidente. Substância é a própria coisa viva, mas tomada principalmente sob o ponto de vista da sua forma ou essência. Digamos assim: a essência é O Livro. A substância é aquele livro.
Se fosse o caso de estarmos numa sala diante de uma mesa cheia de livros, eu pedisse para você pegar um livro, imediatamente você me perguntaria: “Qual livro?”
E aí, eu teria de apontar os acidentes que definem aquela sub-instância da essência Livro: “O vermelho.”
E você responderia, aliviado: “Ah!”
Outro exemplo: eu sou um homem, um ser humano, como você, e como todos aqueles seres semelhantes a nós que se movem na rua, lá embaixo. O que então nos distingue – a mim, a você, a eles? Os acidentes que nos afetam: altura, peso, cor, origem, histórias, gostos.
A soma de todos esses acidentes é que vai de fato definir quem somos. São esses acidentes que nos tornam seres únicos, singulares, ainda que da mesma espécie – ou sub-instâncias da mesma essência.
Essa relação entre substantivos e adjetivos se refere tanto à cognição, isto é, ao momento em que nomeamos e definimos o objeto segundo suas qualidades, como ao juízo, isto é, ao momento em que atribuímos um valor a esse objeto.
Por exemplo, se digo “pássaro” digo quase nada. Se digo “Um pássaro pousou na minha janela”, já estou dizendo alguma coisa: já sei que o pássaro está pousado e não voando, e está no parapeito de uma janela, um lugar um tanto incomum para pássaros, sempre tão arredios, pousarem. Mas que pássaro é esse? É um pássaro amarelo. De que tamanho? Ah, talvez tenha uma palmo de comprimento e um pouco mais de altura. Não seria então um bem-te-vi?
Esse exemplo nos mostra não só a importância dos adjetivos para dar precisão à descrição de um objeto, como também que os substantivos isolados, por dizerem muita coisa, pouco informam de fato.
No entanto, com os juízos é preciso ter cuidado. Devemos emiti-los com cautela. O juízo é a etapa final do pensamento, conforme já disse antes. É quando definimos um valor para o objeto ou o fato que descrevemos, um valor que sempre pertencerá a uma de duas espécies: ou é positivo ou é negativo.
Dito de outro modo: ou implica em continuidade (se for bom) ou em descontinuidade (se for mau).
No entanto, não é a mesma coisa dizer que o pássaro pousado na minha janela é amarelo e dizer que o pássaro amarelo na minha janela é feio. Há uma diferença entre uma e outra afirmação.
Pois, enquanto a constatação da “amarelidão” do pássaro depende apenas de uma percepção, a constatação de sua “feiúra” envolve um jogo de referências que ultrapassam o próprio objeto.
Porque não trabalhamos só com palavras que representam coisas, mas também com palavras que representam conceitos e ideias abstratas, valores morais e culturais.
Mas, por outro lado, é importante frisar que um juízo pode ter um conteúdo objetivo. Isto é, ele não é sempre – e não deve ser quase nunca – uma mera opinião subjetiva.
É possível, sim, dar fundamento objetivo a um juízo de beleza, por exemplo, baseado em critérios de proporção e harmonia matematicamente estabelecidos desde os gregos.
Mas devemos sempre ter em mente que, quanto menos fundamentado em argumentos for um juízo, mais ele falará do sujeito que o emite e menos do objeto a que se refere.