4. Abstração e analogia

Abstração e analogia são operações próprias do entendimento.

A abstração é a capacidade da mente de ignorar os dados sensíveis particulares de um objeto para registrar apenas aquilo que é estrutural, esquemático, de modo a estabelecer um padrão cognitivo que permita depois reconhecer outros exemplares desse padrão, a despeito de seus dados singulares.

É por abstração que formamos a ideia genérica de “gato”, que será depois aplicável na identificação de todos os gatos singulares que virmos.

Lembra da imagem de Adão nomeando as criaturas?

Ou seja, cada palavra é o resultado final de uma abstração. É por abstração que chegamos às espécies, como no caso do gato. Ou reconhecemos as diversas formas de uma cadeira ou de um saca-rolhas.

De modo geral, a abstração busca reduzir o objeto particular à sua forma e finalidade, ou como veremos mais adiante, às suas causas formal e final.

É importante fixar essa definição, isto é, que “a abstração é a redução de um objeto – fato, ser ou evento – à sua forma e finalidade” porque esse é o ponto de partida de qualquer investigação, da resposta à mais básica das perguntas: “O que é isto?”.

Ainda que possamos considerar a finalidade mais importante do que a forma, não podemos desdenhar da segunda sem enfraquecer a primeira. Porque, usando um exemplo bem simples, se considerarmos exclusivamente a finalidade, não há diferença entre uma cadeira e um banco. É preciso recorrer à forma para distinguir a cadeira do banco.

O uso dos padrões produzidos por abstração se dá por análise e comparação.

Isto é, só posso dizer que este objeto é uma caixa, assim como aquele outro, aparentemente tão distinto, por comparação a um termo geral, uma imagem genérica, do que seja uma caixa, definida por finalidade e forma.

Neste caso, dois objetos de tamanho, formato e cor distintos podem ser chamados de ‘caixa” porque são recipientes dotados de tampa usados para guardar outros objetos menores.


A analogia é a capacidade de encontrar laços de identidade entre objetos distintos, seja por semelhança ou diferença.

A analogia busca estabelecer relações entre objetos distintos, quando o pensamento se depara ou com uma novidade ou com um limite.

São as analogias que nos permitem contornar os limites da linguagem. 

Se a abstração fixa a linguagem, a analogia a amplia.

Por outro lado, é por meio da analogia que organizamos as coisas e os seres em grupos maiores e ainda mais genéricos. Se é por abstração que chegamos à ideia de cão e gato, é por analogia que chegamos à ideia de mamífero, que reunirá cães e gatos num grupo comum.

Como escreveu Gustavo Corção:

“De dois modos podemos comparar duas coisas que não sejam idênticas: pelas semelhanças, ou pelas diferenças. (…) Posso dizer, por exemplo, que uma borboleta se parece com uma flor, que certos homens são como montanhas, e outros como juncos ao vento. Posso jurar que vi passar uma mulher ao fogo; e posso asseverar, como o poeta, que existem as lágrimas das coisas. De analogias se alimentam os metafísicos e os poetas, porque existe um vínculo de parentesco real entre todos os seres.”

* * * 

Abstração e analogia não são meras operações formais do espírito, mas atividades definidoras do próprio ato de pensar que se dão sob aparências diversas, mas sempre produzindo algo como movimentos de foco e abertura, de redução e ampliação, que são uma característica essencial do pensamento.

  • Introspecção e contemplação.
  • Ampliação e redução.
  • Abertura e foco.
  • Abstração e analogia.

O tempo todo tenho procurado enfatizar o quanto o ato de pensar – e, por consequência, de escrever – é algo natural, próprio do espírito humano. Mal comparando, é a respiração do espírito.

E é isso que eu pretendo que seja vivenciado por cada leitor, para além das definições formais, sem dúvida nenhuma necessárias, mas que são elas próprias resultado de algo vivido e experimentado por seus autores.


Há um exercício de meditação chamado “Meditação do Chocolate” que pode nos ajudar a perceber como a analogia funciona.

Você vai reparar que as sensações – cores, sabores, cheiros, sensações táteis – são impossíveis de ser descritas diretamente e por isso recorremos à analogia. Mas diferente do que é pedido na meditação, você vai tentar definir suas sensações, descrevê-las.

O exercício sugere que você escolha um chocolate que nunca tenha provado ou que não costume comer. Todo seu esforço será o de se concentrar nas sensações que ele provoca e experimentá-las o mais longamente possível.

Já ao abrir o papel de prata que o recobre, repare no aroma do chocolate. Depois, observe com atenção a cor do chocolate e sinta a temperatura e a textura dele em seus dedos. Finalmente, coloque um pedaço na boca e deixe que ele vá se derretendo aos poucos, tentando perceber cada nuance de sabor.

Repare o aparente paradoxo entre a riqueza das sensações e a pobreza das definições. Dizer “doce”, por exemplo, é dizer muito pouco para descrever as nuances de sabor que você percebeu. Mesmo se tentarmos descrever o gosto do chocolate, não conseguiremos. O mais provável é que diremos que chocolate tem gosto de… chocolate. É o que chamam de tautologia.

É justamente nesse momento que entra em cena a analogia. Então dizemos “o gosto do chocolate lembra…” – e cada um fará a comparação que mais lhe pareça adequada e que para uns fará sentido, e para outros, não.

O mesmo vale para as cores. Quando falamos em “vermelho”, em geral, o associamos a alguma coisa que defina o tom de vermelho a que nos referimos. Dizemos “vermelho-sangue”, por exemplo.
Que tal então repetir a experiência com o próximo pedaço de chocolate, mas desta vez buscando analogias que ajudem a definir as sensações?

Outro uso comum das analogias é quando precisamos caracterizar a singularidade de alguém ou de algo. É quando em geral dizemos que “Não tenho palavras.” É exatamente nessas horas que recorremos às analogias. Um recurso comum na literatura em geral e na poesia em particular.


Animais da Austrália

Outro exercício interessante: imagine que você é um dicionarista ou que precise definir para alguém, totalmente estranho à nossa cultura, certas palavras. Como você definiria – ou descreveria, dá no mesmo – a cadeira, a mesa, o beija-flor, a rosa?

Primeiro, simplesmente os descreva usando da abstração de suas qualidades singulares.

Depois, vamos supor que nosso interlocutor não compreendeu inteiramente nossa descrição e então teremos de fazer uso da analogia: a que outros seres e coisas os seres e coisas descritos podem ser relacionados por semelhança ou oposição?