14. As conjunções

“Que nexo liga um fato a outro fato?”

É a pergunta que nos fazemos o tempo todo quando construímos uma história.

As conjunções expressam esse nexo que existe entre dois fatos. É por meio delas que vamos encadeando as frases que espelham os fatos.

As conjunções dão forma gramatical ao principio binário da existência, derivado da nossa percepção da finitude e contingência de todas coisas, como vimos no capítulo 2.
Elas são o elemento de ligação entre os fatos e traduzem os movimentos e peripécias de uma história.

Assim, as conjunções chamadas aditivas articulam a continuidade e as adversativas a descontinuidade.

ContinuidadeDescontinuidade
e, nem, porque, então, assim, logo, portantomas, embora, no entanto, entretanto

As conjunções expressam todas as relações possíveis entre fatos/frases:

  • causa
  • consequência
  • condicionalidade
  • finalidade
  • conformidade
  • temporalidade
  • concessão
  • comparação
  • proporção

Mas é importante ressaltar que todas essas relações são formas – explícitas ou implícitas – de nexo causal entre dois fatos.

Eis um conjunto de exemplos do uso das conjunções.

A ideia em jogo é a mesma: há uma relação entre a chuva e o alagamento das ruas. Essa relação pode, no entanto, acontecer ou ser expressa de muitos modos, segundo o andamento que se pretenda dar ao texto. Mas reparem que ela é sempre causal.

Causa:
As ruas ficaram alagadas porque a chuva foi muito forte.
Aqui a relação é explicitamente causal, denotada pelo uso do “porque”.

Consequência:
A chuva foi tão forte que as ruas ficaram alagadas.
Aqui também a relação é explicitamente causal, apenas enfatizou-se a consequência mais do que a causa.

Condicionalidade:
Se chover forte, então as ruas ficarão alagadas.
A causalidade está implícita na relação condicional.

Finalidade:
Para alagar as ruas, basta chover forte.

Concessão:
Embora a chuva tenha sido forte, as ruas não se alagaram.
A causalidade está implícita, mas há, neste caso, uma inversão de expectativa: não houve a consequência esperada.

Conformidade:
Como era esperado, as ruas alagaram depois da chuva forte.

Temporalidade:
Quando chove forte, as ruas se alagam.

Comparação:
Choveu como no dilúvio.
Aqui se faz menção à consequência, mas de forma analógica, associando o alagamento ao dilúvio.

Proporção:
Quanto mais forte chover, mais alagadas ficarão as ruas.


As conjunções e a causalidade

Vamos aprofundar um pouco mais essa relação evidente entre causalidade e princípio binário da existência, de um lado, e conjunções, de outro.

Onde há causalidade, há movimento. E onde há movimento, há continuidade ou descontinuidade.

Gramaticalmente, são as conjunções que expressam essa relação entre fatos.

Como já vimos acima, essas relações podem ser reduzidas a formas de causalidade explícitas ou implícitas.

Vejamos os exemplos:

  • (A) Chovia, mas eu fui à aula.
  • (B) Porque chovia, não fui à aula.

Primeiro, vejamos onde está a continuidade e a descontinuidade. O que temos neste caso? Um aluno que está em casa e sabe que em uma hora determinada terá de sair para a aula. Isto é, o estado “estar em casa” será descontinuado para que outro estado (“ir à aula”) se inicie. Mas então o que acontece? Na hora de ir à aula, começa a chover. Duas possibilidades se abrem: ficar em casa (continuidade) ou ir à aula assim mesmo (descontinuidade).

Dissemos que as conjunções sempre denotam relações causais, implícitas ou explicitas.

A causalidade no caso de (B) está explicita: a conjunção “porque” deixa claro que há, ou se acredita haver, uma relação causal suficiente entre a chuva e a permanência em casa.

A causalidade no caso de (A) é implícita: Quando ele diz “mas”, ele está dizendo de modo implícito que não considerou a chuva razão suficiente para não ir à aula.

Admitamos que, no caso de nosso exemplo, se trate de dois alunos. Um mora em Copacabana, e o outro, na Tijuca. Os dois bairros estão servidos de metrô, os alunos moram próximos a estações e a aula é no Centro, num prédio também próximo de uma estação. Logo as condições dadas são semelhantes. A pergunta que imediatamente nos ocorre é:

“Por que um foi à aula e o outro não?”

Vamos dizer que A é o morador de Copacabana e de B é o morador da Tijuca. A foi à aula e B, não. Nosso impulso imediato é perguntar se, no caso de B, a chuva foi uma causa justificada, uma “razão suficiente”, para não ir à aula. Numa cidade grande, é comum chover mais num bairro do que em outro, ou às vezes até chover em uns bairros e em outros, não.

Então seria perfeitamente natural que na Tijuca chovesse tanto que B tivesse achado mais prudente não sair. Ou B podia estar gripado e temeu que um pouco de chuva e frio agravassem seu estado. Mas, B pode ser também um aluno que falta com frequência, e então, nesse caso, a chuva pode ter apenas lhe servido de pretexto para matar mais uma aula.

Por aí já vemos que, de um modo geral, analisar ou criar um texto, será sempre uma investigação sobre causas – explícitas ou implícitas. Um bom leitor e um bom escritor estarão sempre avaliando ou expondo, julgando ou justificando, as causas dos textos que lêem ou escrevem.

Dito de outro modo: toda vez que nos deparamos com um texto, uma proposta de redação ou simplesmente com uma idéia, a primeira coisa que temos de fazer é observar se os fatos se encadeiam segundo relações causais suficientes.


Vamos usar o gráfico de nossa historinha para mais um exercício.

Observe que a linha traça uma trajetória que passa pelos campos dos diferentes graus de possibilidade, assinalando pontos que denotam fatos.

O exercício é simples: atribua conjunções a cada um desses pontos, levando em conta sua posição espaço-temporal no campo de possibilidades. Faça uso do quadro abaixo:

ContinuidadeDescontinuidade
e, nem, porque, então, assim, logo, portantomas, embora, no entanto, entretanto

Veja que se trata de uma trajetória que segue um linha previsível até que em dado momento ela cai vertiginosamente para o campo do imprevisível, passando pelo improvável.

Aproveite e invente mais uma história que corresponda à trajetória descrita.